O nosso director Renato Paiva foi um dos especialistas convidados para este artigo de destaque de primeira página do Diário de Notícias.
Transcrição do artigo:
Aos 9 anos, Filipa começou a falar sobre a morte. Ficava triste, porque imaginava que o pai ou a mãe podiam morrer. “Percebeu que somos finitos, que não duramos para sempre”. Depois veio a público a foto do corpo de uma criança síria encontrada numa praia turca. Luís e Lúcia, pais de quatro raparigas – Maria, de 16 anos, Daniela, de 15, Filipa, agora com 10 e Ana, de 6 – falaram então sobre refugiados. “Tentamos mostrar a realidade com uma linguagem que entendam”, conta Luís.
Dois meses depois, os atentados em Paris, onde vive uma prima. “Mesmo com as mais novas, tivemos de falar sobre o terrorismo. Queremos que saibam o que se passa, mas há imagens e pormenores que não acrescentam nada ao que têm de saber sobre o assunto, porque só as vai assustar mais”, frisa.
Responder às perguntas das crianças sobre sexo ou explicar-lhes temas como o terrorismo ou a morte não são tarefas fáceis para muitos pais. Haverá uma idade indicada para falar sobre cada um? O que dizer? Os especialistas contactados pelo DN recomendam que só sejam abordados a pedido das crianças e sempre de acordo com as idades. Regra geral, primeiro surgem questões sobre a gravidez, a morte e as doenças e só mais tarde sobre o terrorismo ou o aborto.
“Não devemos evitar falar destes assuntos às crianças. Devemos sim é ter contenção sobre o que dizemos e como o dizemos. Contudo, não devem ser os pais a trazer o assunto para a discussão”, sugere Renato Paiva, diretor da Clínica da Educação. A ideia é responder às solicitações das crianças e adequar o discurso à idade. “Não falaremos da morte com uma criança de 4 anos do mesmo modo que falamos com uma de 10. A sua maturidade ainda não compreende conceitos abstratos”.
O pediatra Hugo Rodrigues reforça que “o princípio geral para temas difíceis é que sejam abordados a pedido da criança”. “Sempre que pergunta, deve esclarecer-se de uma forma correta e com linguagem adequada”. No 3.º ano de escolaridade, “já falam sobre o sistema reprodutor, os óvulos, a gestação”, portanto a gravidez é “provavelmente o tema mais fácil, mais visível” e um dos que aparece primeiro. “Até porque muitas crianças têm irmãos.” Aos 6 anos, diz o pediatra, começam a ter medo de morrer e que os pais morram.
Recentemente, as direções-gerais da Educação e da Saúde emitiram um documento com novas sugestões para as aulas de educação sexual, no qual há um tópico que gerou uma enorme polémica: a possibilidade de falar da interrupção voluntária e involuntária da gravidez no 2.º ciclo. Na opinião de Hugo Rodrigues, como rapazes e raparigas não amadurecem da mesma forma, “se calhar não faz muito sentido falar deste tema antes dos 12 anos”. Segundo o pediatra “será um assunto para introduzir mais tarde”. “Não tenho muita pressa em tornar as crianças adultas”. O mesmo é válido para o terrorismo. “Não podem fazer nada para mudar, portanto não deve ser uma preocupação das crianças”.
Para Cátia Teixeira, psicóloga da área infantojuvenil da Oficina de Psicologia, não há uma idade certa para falar sobre cada assunto. “As crianças têm fases de desenvolvimento diferentes e também precisam de respostas diferentes”, justifica, acrescentando que “uma criança de 10 anos pode estar preparada para falar de terrorismo, mas uma de 12 pode não estar”. O caminho, prossegue, é perceber o que é que ela quer saber. “Se pergunta o que é o terrorismo, devemos perguntar o que ela acha que é. É importante perceber o entendimento da criança e só depois dar a resposta. Por vezes, ela não tem as dúvidas que o adulto pensa que tem e não está preparada para certas respostas”. Se os temas não forem abordados de forma correta, “a criança pode ficar ansiosa, preocupada.”
Falar com os miúdos sobre violência pode gerar medo. Renato Paiva diz que importa “dar colo ao falar com as crianças nestes assuntos.” “Abordar temas como terrorismo, morte, aborto, fome, doenças, mexe com as emoções de cada um. São assuntos que tradicionalmente são difíceis para todos, para os pais não é exceção.” Segundo o psicopedagogo, “o concreto funciona melhor, assim como a recorrência a exemplos ajuda”. No entanto, adverte, as explicações não devem ser pormenorizadas. Para a criança fazer uma pergunta “é porque contactou com uma realidade que desconhece”, daí que seja essencial os pais perceberem o porquê das suas questões.
Dizem os especialistas em educação que dificilmente uma criança faz perguntas sobre um tema com o qual não contactou. Hélder Ramos, professor do primeiro ciclo na Madeira, revela que “o que as crianças perguntam tem a ver com as suas vivências. Não improvisam perguntas sobre coisas abstratas”. Segundo o professor, “falam de alcoolismo, tabaco ou violência quando vivem essas situações”. Nesses casos, os professores não devem mentir, mas é importante abordar os temas com cautela. Relativamente à questão do aborto, Hélder lembra que, atualmente, há crianças no 2.º ciclo com 16 anos. “Não faz sentido generalizar, porque pode despertar curiosidade e não trará benefícios. Mas pode haver situações em que faz sentido”.
Já Odete Santos, professora numa escola de 1.º ciclo na Charneca da Caparica, diz que as perguntas das crianças aos 8 e 9 anos são sobretudo sobre a reprodução. “É a matéria que os cativa mais”. Também falam sobre a fome em África, os refugiados e, por vezes, sobre a morte. “Mas esse é um tema do qual tendem a fugir”. Já trabalhou em zonas carenciadas e, nesses casos, as crianças também falavam muito sobre droga. “Sabiam coisas muito à frente para a idade”.
Na opinião de Jorge Gravanita, presidente da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica, “o que precisamos hoje em dia é que os assuntos deixem de estar numa zona obscura e possam ser falados”. É o que faz António Rebelo, de 45 anos, com os cinco filhos. “Não há nada tabu. É tudo explicado consoante as idades”. Com filhos dos cinco aos 21 anos, este pai ressalva, no entanto, que há coisas que fala com os mais velhos e que, naturalmente, a filha mais nova não ouve.
António Rebelo é uma das mais de seis mil pessoas que assinaram a petição para que o aborto não seja abordado no 2,º ciclo. Considera que o filho de 11 anos poderá entender do que se trata, se o assunto for abordado por si, mas teme que lhe seja explicado de uma forma que considera errada. Tal como aconteceu com a educação sexual, razão pela qual retirou os filhos da escola pública.
Segundo o psicólogo Jorge Gravanita, poderá fazer sentido o tema da IVG ser falado com alunos do 2.º ciclo. “Não como uma transmissão de conteúdo, mas a partir do questionamento das crianças. A ideia é permitir uma discussão entre colegas e professores.” Luís, pai de quatro raparigas, discorda : “É uma comparação grotesca, mas é quase como colocar o assunto da eutanásia nas mãos de uma criança. O tema merece ser falado, mas não aos 10 anos.”
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